domingo, 13 de julho de 2014

Raquel



Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prêmio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assi negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida;

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: – Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida!
Camões

sábado, 5 de julho de 2014

Um filme...




Eu vi o filme de Pompéia e achei tão triste
Tão triste, melancólico e real
cópia no entanto exata e fiel
Nesta natureza de tudo quanto existe


Quantas vezes até o 'fim' o mal resiste???
neste mundo terrestre e surreal
quantas vezes prevalece ele no 'final'
O amor porém vence e persiste...

Sim devemos crer que o amor
Ultrapassa todos os limites e barreiras
O mal, a morte, a aflição... Temor...

Crer devemos nós que sob mil maneiras
ultrapassado o termo da humana dor
prevalece ele em plagas altaneiras!!!


Epifânio Queiroz 

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Alma minha gentil, que te partiste






Alma minha gentil, que te partiste 
Tão cedo desta vida descontente, 
Repousa lá no Céu eternamente, 
E viva eu cá na terra sempre triste. 

Se lá no assento Etéreo, onde subiste, 
Memória desta vida se consente, 
Não te esqueças daquele amor ardente, 
Que já nos olhos meus tão puro viste. 

E se vires que pode merecer-te 
Algũa cousa a dor que me ficou 
Da mágoa, sem remédio, de perder-te, 

Roga a Deus, que teus anos encurtou, 
Que tão cedo de cá me leve a ver-te, 
Quão cedo de meus olhos te levou. 


Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"

quinta-feira, 3 de julho de 2014






"Anda depressa, ó Sol, que estás parado!
Que fazes tu aí, Sol imprudente?"
Este maldito Sol, ultimamente,
tem se tornado o meu maior cuidado!  

Essa que eu amo, mora num sobrado,
e o Sol, que a quer também, pára-se em frente:
e até que o Sol se canse e, enfim se ausente;
a janela é deserta, e eu, desolado.  

"Sol, vai-te embora!" E, quando o Sol vai indo,
e Ela aparece, eu desespero, e grito,
por ver a noite. que já vai caindo:  

"Sol, pára um pouco!..." E o Sol, sem me escutar,
se esconde, enquanto eu lhe suplico, aflito:
"Sol! por favor, ó Sol! vai devagar!..."


Marcelo Gama

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Estela e Nize






Eu vi a linda Estela, e namorado
Fiz logo eterno voto de quere-la
Mas vi depois Nize e a achei tão bela
Que merece igualmente meu cuidado

A qual escolherei, se neste estado
Não posso distinguir Nize de Estela
Se Nize vir aqui, morro por ela;
Se Estela agora vir, eis-me inflamado

Mas ah que aquela me despreza amante
pois save que estou prezo a outros braços
E esta não me quer por inconstante.

Vem, cupido, soltar-me destes laços;
Ou faz de dois semblantes um semblante
Ou parte meu coração em dois pedaços!!!

Alvarenga Peixoto

segunda-feira, 23 de junho de 2014

A Srta Sophie




Eu a vi, e como não acha-la bela?
Se nela está a fonte da beleza.
Se no sorriso de imortal pureza
Estrelas e flores riem nela...

Como não se apaixonar por ela???
por seu fidalgo porte de nobreza

por sua encantadora gentileza
Prendas por que minh'alma anela

Feliz serei entre os mortais viventes
Dentre os homens todos privilegiado
Bem aventurado sobre a terra

Se obter as carícias envolventes
Que merecem todo meu cuidado
Delícias todas que este amor encerra!


Epifânio de Queiroz

A S...






Ardor em firme coração nascido
Pranto por belos olhos derramado
Incêndio em mares d'água disfarçado
Rio de neve em fogo convertido

Tu, que em ímpeto abrasas escondido
Tu, que neste belo rosto corre desatado
Qual fogo em cristais aprisionado
Qual Cristal por chamas derretido

Se és fogo, como passas mansamente?
Se és neve, como queimas a porfia???
Mas ai, que andou AMOR em ti prudente!

Pois para temperar tal tirania
Como quis que parecesse neve ardente
Permitiu que parecesse chama fria!



Gregório de Matos Guerra

domingo, 22 de junho de 2014

Soneto




Nize? Nize? Onde estas agora? Aonde espera
Achar-te uma alma, que por ti suspira;

Se quando a vista se dilata, e gira
Tanto mais de encontrar-te desespera!

Ah se ao menos teu nome ouvir puderá
Entre esta aura suave, que respira!
Nize, cuido que diz, mas é mentira
Nize, cuidei que ouvia, mas não era.

Grutas, troncos, penhascos da espessura,
Se meu bem, se minh'alma em vos se esconde
Mostra-me logo tua formosura.

Mas nem mesmo um eco me responde
Assim é certa minha desventura
Nize? Nize? Onde tu estas? Aonde!


Cláudio Manuel da Costa

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Soneto




Formosa, qual pintor em tela fina
debuxar jamais pôde ou nunca ousara;
Formosa qual jamais desabrochara
Em primavera rosa purpurina

Formosa, qual se a própria mão divina
lhe imprimisse o contorno a forma rara
Formosa, qual no céu jamais brilhara
astro gentil, estrela peregrina!

Formosa qual se natureza e arte,
Dando as mãos em seus dons e seus lavores
jamais pode imitar no todo ou parte!

Mulher celeste, soma de primores!
Quem pode ver-te sem querer amar-te???
Quem pode amar-te sem morrer de amores???!!!


Maciel Monteiro

quarta-feira, 18 de junho de 2014

CCCLXVI - Petrarca a Laura






Anjos de Deus, suas almas de eleição
cidadãos dos céus nos primeiros instantes
após a morte de Laura ainda hesitantes...
dela se achegam plenos de admiração!

Que nova luz é esta de belezas fascinantes
alma primorosa de nobre compleição?
pois daquele báratro, asilo de aflição,

jamais ascenderam dotes tão apaixonantes

E ela que feliz por ter mudado de lugar,
nivela-se aos seres mais santos e perfeitos
por um instantinho põe-se a divagar:

E atrevendo-se fitar o lar dos imperfeitos
Pergunta-me: Por que é tão lento teu vagar?

apressa em emendar logo teus defeitos!!!

Epifânio de Queiroz

Os cisnes






A vida manso lago azul, algumas 

vezes, algumas vezes, mar fremente
tem sido para nós constantemente
lago azul sem ondas nem espumas

Bem cedo quando desfazendo as brumas,
matinais. Surge um sol vermelho e quente
nós dois vogamos indolentemente
como dois cisnes de alvacentas plumas

Um dia um cisne morrerá por certo
Quando chegar este momento incerto
no lago onde talvez a água se tisne

Que o cisne vivo cheio de saudade
jamais se esqueça e jamais nade
acompanhado ao lado doutro cisne!!!


Júlio Salusse

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Duas almas





Oh tu que vens de longe, oh tu que vens cansada
entra e sob este teto encontrarás carinho
eu jamais fui amado e vivo tão sozinho
Vives sozinha sempre e jamais foste amada

A neve anda a branquear lividamente a estrada

e minha alcova tem a tepidez de um ninho
entra ao menos até que as curvas do caminho
se banhem no esplendor da nascente alvorada

E amanha quando a luz do sol dourar radiosa
essa estrada sem fim, deserta, horrenda e nua
Podes partir de novo, oh nômade formosa!

Já não serei tão só nem iras tão sozinha
Há de ficar comigo uma saudade tua
Hás de levar contigo uma saudade minha!!!


Alceu Wamosy